PORTUGAL 2014: AS CONSEQUÊNCIAS DE UM RESGATE
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durou três anos e o PIB real de 2014 ficou 5,5 %
abaixo do seu nível de 2010. Em termos de em-
prego, o FMI previa que, em 2014, o emprego
se situasse 1,1 % abaixo do nível de 2010. Na
realidade a quebra do emprego foi de 7,1 %.
Os desvios observados quanto à profundida-
de da recessão são atribuíveis sobretudo ao fac-
to da compressão do consumo privado ter ultra-
passado as expectativas. A compressão do
consumo privado, não obstante o seu (indeseja-
do) efeito recessivo, teve como consequência
uma (desejada) redução das importações que
excedeu largamente a previsão do FMI e deu
origem, apesar do crescimento das exportações
inferior ao previsto, a um muito rápido reequilí-
brio da balança corrente já em 2013.
Alimentada por cortes orçamentais e au-
mentos das taxas de imposto, a recessão viria a
provocar, como efeito paradoxal, uma notória
dificuldade em reduzir os défices orçamentais
na proporção antecipada e em reconduzir a dí-
vida pública a uma trajetória sustentável. Em
nenhum dos anos do programa foram alcança-
das as metas inicialmente previstas para o défice
orçamental. No final do programa. em 2014,
em vez do défice de 2,3 % do PIB previsto pelo
FMI, verificou-se um défice de 4,6 %. A dívida
publica que supostamente deveria começar a
regredir em 2014 e situar-se nesse ano em
115 % do PIB, atingiu de facto os 129 %.
A
desalavancagem
do sector bancário, alme-
jada pelo programa, teve efetivamente lugar.
No entanto, apesar da capitalização bancária
realizada com fundos do programa de resgate
essa
desalavancagem
foi acompanhada de uma
acentuada compressão do crédito e de um cres-
cimento do crédito malparado que obrigou os
bancos a registar imparidades de grandes pro-
porções. Em lugar da estabilização do setor fi-
nanceiro, a recessão produziu, já em 2014, a
falência e consequente resolução de um dos
maiores bancos privados portugueses – o Banco
Espirito Santo.
Terminado o programa, o governo portu-
guês e os seus autores reclamam sucesso.
Segundo o FMI
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o programa teria estabilizado a
economia portuguesa, reestabelecido o acesso
aos mercados da dívida soberana, permitido a
retoma (moderada) do crescimento nos últimos
sete trimestres, operado uma substancial conso-
lidação orçamental e produzido excedentes da
balança corrente.
No entanto, o próprio FMI não deixa de ma-
tizar esta apreciação ao assinalar na avaliação
pós-programa acima referida que: (1) a recupe-
ração verificada nos últimos sete trimestres ten-
de a abrandar, uma vez que foi induzida pelo
consumo privado e não pelas exportações líqui-
das; (2) a redução da taxa desemprego, mais
rápida que o crescimento, é sobreavaliada pelas
medidas estatísticas do desemprego; (3) existe
risco de deflação; (4) o excedente da balança
corrente está a diminuir, tendo-se verificado
uma perda de quotas de mercado em 2014.
Em suma, mesmo nas dimensões que o FMI
valoriza, uma avaliação independente dificil-
mente poderia deixar de concluir que o progra-
ma se limitou a produzir um ajustamento do
equilíbrio externo (balança corrente) à custa de
uma acentuação do desequilíbrio interno (em-
prego e nível de atividade). O programa apenas
conteve o crescimento da dívida externa, tendo
substituído dívida externa bancária por dívida
externa pública, deixando atrás de si um rasto
de falências de empresas e famílias, com sobre-
viventes tão ou mais endividados do que no iní-
cio do processo. Nenhum dos problemas da
economia português diagnosticados pelo FMI
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FMI (2015).
Portugal, First Post-Program Monitoring
. IMF
Country Report No. 15/21.